Ainda que Cicília fizesse de tudo para me incluir nas escolhas que
diziam respeito ao nosso futuro filho, o sentimento de paternidade era um pouco
vago. É que é difícil amar alguém que você nem conhece.
Mas o sentimento estava ali. E ia crescendo pouco a pouco.
De qualquer forma, sabia que, dentro da barriga dela, ele estava seguro
(pelo menos era o que os médicos diziam), portanto, a preocupação era com o
bem-estar dela. E devo confessar uma coisa: não existe nada mais estressante
nessa vida do que ter uma mulher grávida a partir dos 7 meses.
A barriga já não é mais um complemento no corpo dela. Incomoda. Nessa
fase, existe dificuldade para andar, sentar, levantar, deitar, enfim, tudo. Com
o acréscimo de um pequeno detalhe: ela se transforma em uma bomba relógio que a
qualquer momento pode estourar.
Traduzindo: meu celular não podia tocar que entrava em desespero na
expectativa de ouvir um “corre que a bolsa estourou”. E passei por um susto.
Na época, eu freqüentava academia e por volta das 19h lá estava eu em
cima da esteira. Depois de derramar litros de suor e tentar destruir meus
músculos naquelas máquinas, voltei para o carro. Haviam 17 chamadas de Cicília.
Retornei a ligação já com o carro em movimento. “Oi, o que aconteceu?”,
perguntei, já preocupado. “A bolsa estourou, liguei para você e como você não
atendeu, chamei Painho. Ele me pegou e estamos a caminho da Unimed. Vá em casa
se arrumar e me encontre no hospital”
Acelerei. A cabeça começou a dar voltas: meu filho vai nascer. Arthur
vai nascer. Tenho que correr. Antes do previsto. Será que está tudo bem? Como
será que ele é? Nem vai ser de fevereiro
como eu e Cicília. Existe chance de ter olhos claros. Será que vai ter?
Se tinha algum carro na BR, não vi. A academia ficava a cerca de cinco
minutos de casa. Entrei na garagem com o carro cantando os quatro pneus. Por
pouco não acertei uma das pilastras. Travei as portas e subi em disparada. Abri
a porta de casa, já atirando a roupa para todo lado. Corri para o quarto.
Quando abro a porta... Cicília estava deitada fazendo bordado e com Arthur
dentro da barriga. Olhou para mim e disse:
“Se fosse verdade? Como é que seria? Dezessete chamadas no seu celular
e você não atende? Eu posso ter o menino a qualquer momento!”
Eu poderia dizer que levei na esportiva. Não, não levei. O ódio invadiu
minha alma. A vontade de explodir tomou conta de mim. Usei todo o auto-controle
que possuía, voltei para a sala, liguei o Play2 e sentei no sofá. Somente
depois de dez partidas de PES consegui pensar em algo que não envolvesse
quebrar objetos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário