sexta-feira, 29 de junho de 2012

A primeira definição



A mãe sente aquela azeitona crescer, enquanto que o pai se limita a imaginar o que está acontecendo. As dúvidas continuam. Sobre tudo. E todo mundo pergunta: “você prefere menino ou menina?”. Sei lá. Eu nunca fui pai. O que vier está bom. E era verdade.

No processo de imaginação, você pensa nos momentos que pode viver tanto com um quanto com o outro. Os futuros abraços, declarações de amor, conselhos e até como você vai dar bronca. “Será que devo usar o milho também?”.

Passamos a viver uma fase de simpatias. De todos os tipos. Tia Lúcia separou duas tesouras (uma aberta e outra fechada) e colocou em duas cadeiras escondidas por almofadas. A ideia era Cicília, que não sabia onde cada tesoura estava, escolher aleatoriamente e sentar.

De acordo com a teoria de tia Lúcia, se ela sentasse sobre a tesoura fechada, seria menino; se fosse sobre a tesoura aberta, menina. E ela sentou sobre a aberta.

Depois, o caso mais emblemático: o de Goretti, amiga de tia Tita. A danada era conhecida por nunca, eu disse nunca, errar um palpite. O cálculo dela, dizia, tinha base científica. Calculava a data da última menstruação, com mês em que ocorreu a gravidez, somado à fase da lua, mais a distância da Terra em relação a Vênus, dividido pelo valor da quilometragem do nosso carro na época. Resumindo: complicado.

E depois de uma semana de cálculos e recálculos, ela garantiu: compre a tinta rosa. Depois de tantas “certezas” não havia como não iniciar o processo de escolha do nome para uma menina. Eu só pedia uma coisa: para esperarmos pela ultrassom. E chegou o dia:

Lá estava eu novamente sentado na cadeira atrás do homem-de-branco-que-não-sei-é-médico, naquele computador esquisito com a televisão nas minhas costas. E começa o processo. Não sei se ele havia sido treinado para isso, mas o cara gostava de torturar. Diga-me: o que custa dizer logo o sexo do bebê, se é só o que você quer saber nessa hora?

Mas não. Ele preferiu mostrar braço, tamanho da cabeça, pé, boca, cor dos olhos e nada. Depois do que pareceu uma eternidade, ele pergunta: “Já sabe o sexo do bebê?” Você tem vontade de dizer muitas coisas, mas por não serem tão agradáveis, basta uma frase: “não, doutor. O senhor poderia nos dizer?”

Aí começa o show (dele): “Vamos ver se o bebê colabora. Está difícil. A perna está fechada. Espera um pouco. Está quase. Eita, perdi. De novo. Acho que agora vai dar para ver. Tenho um palpite, deixa só confirmar. Pronto. Está aqui. Olha só”.

 Era para eu estar vendo alguma coisa? Porque é que eles acham que todo mundo consegue enxergar algo naquele negócio preto com cinza? Não vi nada. E ele então fala: “Aqui”. E eu na mesma. “É um menino, olha aqui”.

E a gente soube naquele momento que simpatias não eram tão confiáveis. Um menino. Ali estava Arthur Henrique.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

É de verdade

Depois que você descobre a gravidez, acontece uma coisa engraçada: não acontece nada. Aquele embrião está apenas no começo da formação e você não sabe bem o que vai sair dali. E a grande questão do universo é: O que se faz agora?

O que mais passava pela minha cabeça era se eu combinava mais com um menino ou uma menina.

“Se for menino, a gente vai jogar futebol na praia, video game, assistir a jogos na arquibancada. Ah, tem a coleção de times de futebol de botão. Dá pra fazer até cerimônia de entrega”.

“Mas uma menina é mais meiga, carinhosa. E eu posso brincar de boneca. Porque não? Video game também. Será que ela vai pintar meus times de futebol de botão de rosa?”

Para o pai começa um caminho complicado. Aos poucos, fui percebendo que não era mais o
protagonista da casa. A grande diferença em relação à mãe é que ela sente tudo. Enjôo, peito incha, dá sono. Ok, deve ter coisa legal também. O que sei é que entrei em um processo em que eu era, mas não era. Assim:

Eu ia ser pai. Mas de quê? Daquela azeitona na barriga dela?

É mais ou menos assim: você sabe que aquilo é muito bom. Você vai amar aquele ser. Mas a verdade é que não estava inserido.

Contudo, tem um momento que é mágico. Até para o pai. Principalmente para o pai. É quando você sabe que é de verdade: na primeira ultrassom.

Ao entrar na sala, fiquei meio sem saber o que fazer. Nunca tinha nem visto um aparelho de ultrassom. De repente está um homem vestido de branco, que não sei nem se é médico, sentado na frente de um computador que tem um mouse esquisito e uma bolinha daquelas de desodorante rolón no meio. “Vixe! Como é isso hein!?”.

A assistente me indicou uma cadeira e eu sentei. Fiquei de frente para o computador e de costas para a televisão (é, tem uma lá dentro e é tipo Net). Levanta o vestido, pendura papel toalha na esposa, gel na barriga e começa a passar o tal mouse. Procura um pouco e, de repente, a mágica acontece:

Uma batida rápida, acelerada, o médico aponta e diz: aqui é o coração. “E essa carreira toda do coração é assim mesmo?”. É. E você vai ter que esperar bastante para escutar algo mais tocante do que isso. E não importa quantos filhos tenha.

É neste momento que Deus toca seu ombro e diz: “Eu existo”. Não dá mais para duvidar.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

A descoberta


Com dois anos de casados, a ideia era se estabilizar financeiramente para só então ter um filho. E isso queria dizer um salário melhor, quitar o carro e dar entrada no apartamento. Mas quem faz os planos não somos nós. E em um único dia, tudo mudou.

Fui buscar Cicília no trabalho na hora do almoço como na maioria dos dias. No carro, enquanto estava dirigindo, ela olhou para mim. O rosto estava tenso, aparentava nervosismo, mas ao mesmo tempo disfarçava com uma calma impressionante. Tirou um papelzinho de dentro da bolsa e me entregou.

Lembro que tinha uma tinta azul e uns tracinhos. Pensei: “Legal, gosto de azul, e aí?” Perguntei o que era aquilo. E ela, já quase sem conseguir disfarçar o nervosismo, respondeu: “é um teste de gravidez”.

Não sei vocês, mas nunca tinha visto um, então para mim aquela tirinha de papel era grego. “E isso quer dizer o quê mesmo?”. Já sem disfarçar, com os olhos cheios de lágrima, ela disse: “tô mei grávida”.

Eu poderia dizer que um turbilhão de coisas passou pela minha cabeça, mas não é verdade. Simplesmente pensei: “será que esse negócio tá certo? Se estiver, o que faço agora?”. E não pense que a ficha foi caindo não.

Na verdade, tudo ficou em suspenso. Só então o tal turbilhão foi se formando.

E agora, como vai ser? Aviso a mainha? Quando vamos saber se é menino ou menina?  Esse negócio está certo mesmo? E agora, como vai ser? Compro o berço de que cor? E para subir as escadas? E agora, como vai ser? É para ir trabalhar hoje? Andréa vai gostar de ser tia? Quem vão ser os padrinhos? Preciso do meu play2! Se for menino vai querer jogar comigo? Se for menina pode? E agora, como vai ser?

E tudo isso foi resumido em uma pergunta: “Já pode espalhar?” Sou jornalista, não dá para receber uma bomba e guardar para si. O mundo precisa saber.

Mas Cicília queria a confirmação definitiva, que é aquele teste Beta. Aí a coisa ficou formal: laboratório, recolhe sangue, examina, testa, verifica e vem o veredicto: “a paciente está grávida com força”.

É que tem uma taxa lá que indica a gravidez e a dela estava bem alta. E aí sim, não dava para negar o fato.

De volta para o carro, com o semáforo fechado, nos abraçamos, nos beijamos, trocamos palavras de amor.  Um momento só nosso. O mundo parou. Menos o motorista do carro de trás que ficava buzinando.

Com tudo isso, a ficha caiu. Mas ela só trouxe uma certeza: que a partir daquele momento tudo seria diferente.

terça-feira, 26 de junho de 2012

O início


Um dia comum. O despertador tocou e, de cara, aquela vontade incontrolável de ficar na cama. O “soneca” foi acionado pelo menos duas vezes. Como não tinha jeito, levantei para começar o dia.

Ainda sonolento, cheguei ao banheiro, abri o chuveiro e molhei a cabeça. “Ok, hora de começar”. E a partir daí a sequência foi mais rápida.

Troca a fralda de Laís, beijo na princesa, acorda Arthur, beijo no príncipe, beijo na esposa, cozinha, café na cafeteira, pão com queijo para assar, veste a calça, passa desodorante, tira o pijama de Arthur, tira o pijama de Laís, café da manhã, calça o sapato, pega a bolsa, pega Arthur, pega Laís, carro, estrada.

De repente a calmaria voltou. Graças às férias escolares, o caminho até o trabalho ficou mais rápido e menos estressante. Após deixar esposa e filhos na casa da sogra, o último trecho até o trabalho.

Em uma TV, o dia mais difícil é a segunda-feira. A terça-feira é mais calma (se é que podemos usar tal palavra para descrever qualquer momento em uma redação). Mas não essa.

Pauta cai, repórter atrasa, entrevistado desmarca, assessor esquece que marcou entrevista, Cagepa convoca coletiva, ex-prefeito anuncia apoio a ex-adversário que era ex-aliado, programas ao vivo e tudo isso provoca um aumento da adrenalina que leva a um ponto de explosão.

E no auge do stress veio a inspiração: porque não usar um blog para falar sobre o que é ter dois filhos? Sacou a relação?

Eu não. Mas a inspiração foi plantada, como uma sementinha. Que foi ganhando forma, crescendo e de repente, lá estava eu.

Primeiro, a busca pelo endereço. O nome do blog. A descrição. O layout. E chega o momento do primeiro texto. Aquele que serve para apontar que caminho o blog vai seguir. E quase no final, a motivação do blog é descrita para o leitor:

Um espaço para descrever a beleza de ser pai. Que se não chega a ser aquele tal de padecer no paraíso, é quando você olha para si e diz: cresci. “Essa coisinha nos meus braços precisa de mim para tudo”. E vêm as dúvidas: será que vou saber educar? Trocar fralda? Ele vai torcer pelo meu time? O que ele vai ser quando crescer?

Sei lá. Mas o fato é que cada momento com o filho, ou no meu caso filhos, não será jamais como antes. A vida foi transformada. Tudo mudou. E já não dá mais para imaginar uma vida sem eles.

E quem sabe um dia, eles possam vir aqui e acompanhar um pouco do próprio crescimento e o que passava pela cabeça do pai.